segunda-feira, 25 de março de 2013

O Regresso ao líquido



Já não metíamos as carnes de molho há quase 2 anos. Várias condicionantes levaram a este flagelo prolongado de secura, mas decidimos parar com o jejum e tirar o bolor dos caiaques. Tínhamos decidido que esperaríamos por condições adequadas às capacidades de cotas enferrujados. Queríamos um caudal não demasiado agressivo e um sol que levasse a pluviosidade para longe da nossa moleirinha; conseguimos ir em 2 dias de chuva torrencial para rios em pré-cheia…boa opção. Desta vez apenas se voluntariaram os 2 do costume , mas com um reforço logístico de peso, que nos poupou das extenuantes corridas finais de recuperação do veículo. Para além disso, o Sérgio disponibilizava-se para oferecer de forma totalmente gratuita, as suas vastas competências no domínio da fotografia no acompanhamento da descida, ele que foi um dos injustiçados por ver o seu nome fora dos prémios “National Geographic 2010”. Finalmente iríamos ter um registo de gabarito, adequado ao nível técnico dos praticantes. O Pedro já não tinha de levar a sua máquina, nem se queixar que ficava mal na fotografia, pois estava escudado por meios técnicos de relevo : fotógrafo experiente e máquina de alta definição…comprada há alguns anos atrás (surgem relatos de um aparelho similar junto do sarcófago do faraó egípcio Tutankhamon).


Optámos por voltar ao Covo, o nosso rio de eleição. Choveu torrencialmente durante a noite, juntando a toda a água acumulada no último mês. A Manhã a chover retraía a vontade de regressar ao rio. Depois do farto p/almoço em C. Daire , rumámos ao rio debaixo de chuva…granda galo!...não me apetecia chuva na chanfradura e ela aí estava. No momento em que nos equipávamos o sol rompeu por entre as nuvens e respeitou o nosso desejo de regresso iluminado; um sinal divino. Deparei-me com graves falhas na qualidade do meu equipamento, que mingou de forma significativa desde a última descida. Rio Covo em grande, com um caudal mais do que generoso seria um banquete adequado.

A equipa
O Fotógrafo colocou-se a postos e, qual malabarista de circo, manuseou 2 máquinas em simultâneo, disparando fotografia com uma mão, vídeo com a outra e equilibrando duas ameixas em cima da cabeça. Apenas ao alcance de poucos…A primeira fotografia registada, representou um hino à arte do ofício: a luminosidade, o contraste, o enquadramento, os objectos aparecendo de forma subtil, quase imperceptível. A imagem, da corrente da água, cortada pelo ténue sinal de um capacete avermelhado e um objecto alaranjado, revela toda a sua criação artística. Se a qualquer olhar menos sensível e abrutalhado, aquela imagem do capacete poderia dar azo a um reparo do género :“Que  merda é esta?” , para os entendidos trata-se de uma obra artística de elevado potencial digna de ingressar numa das salas do museu Berardo . 
A água, o vestígio do vermelho, o surgimento ténue do laranja...
Esta ficou um pouco terra a terra...do ponto de vista artístico
Voltámos à arte: os ramos,...a imagem desfocada do elemento,....
E o que dizer da filmagem de vídeo? Divinal. A definição da câmara transcende qualquer película de 8mm, as panorâmicas feitas com mestria e todo o movimento captado sem mácula, imagens que preferimos deixar fora deste blogue, que não merece tamanha pérola cinéfila. Quanto à descida propriamente dita, foi feita com poucas paragens e animação constante. Apenas referir o episódio do rápido da passagem final retentiva, que tínhamos decidido abordar com cautela. O Pedro, sem dar por ele, entrou na sequência qual Cristiano Ronaldo na área do Barcelona e, quando percebeu em que cenário estava, agarrou-se seguro a um tronco na margem, interiorizando um sorriso “eh,eh, querias-me apanhar aí oh buraquinho?!...”. Foi quando ouviu um Cracccc e verificou a resistência do tronco… partido na sua mão. Vai daí, para o retorno final não se ficar a rir, entrou de retaguarda , para que, no caso da coisa dar para o torto, ao menos soltaria em forma de vingança uma das suas atoardas flatulentas. Eu fui de seguida, também sem noção da coisa, mas não dei a retaguarda ao bicho, que nessas coisas sou muito cauteloso e esquisito. Descemos o Covo de forma limpa em menos de uma hora e meia e apenas apanhámos chuva (em forma de pedra) já no final.
O Sérgio estava à nossa espera com 2 simpáticos cães. Entre duas lambidelas o cão mais novo sussurrava-me ao ouvido em forma de latido: “Sabes, eu tive agora um curso intensivo de fotografia com este senhor de chapéu esquisito e até fiquei a saber que não podemos cortar elementos, tais como, cabeça, tronco e membros da fotografia…”

Rumámos ao Paiva para atacarmos no dia seguinte o desfiladeiro. Espreitámos o rio de cima e achámos que a coisa levava água a mais para as nossas unhas nos 2 principais rápidos (sem calhau à vista) e optámos por descer a micro-etapa do Vau a Espiunca, no dia seguinte. Na hora de jantar, levámos o Sérgio aos bifes da vaca Arouquesa, que o Pedro lhe tinha vendido como uma posta de vaca mirandesa, naquela fase em que deitava a mão a todos os métodos de aliciamento em busca de apoio (melhor do que ele só Paulo Portas a beijar os buços das varinas). Publicidade enganosa, dizia o Sérgio, olhando para o suculento bife com um desdém similar ao que olhará Kimi Raikonnen para um Fiat 600. Entre queixas da textura da comida, lá papou todo o bife ao som da inspiradora prosa da dona do restaurante que achou muita piada aos seus pixéis. Nem mesmo no momento do relato do familiar que morreu a esguichar sangue pela boca, Sérgio se deixou impressionar e lá continuou a trincar o sangue do bife da tal vaca que não era mirandesa.
Curso de engenharia civil em 5 lições....

Noite de acampamento junto ao rio, numa daquelas tendas que se montam em segundos e se arrumam em largos minutos, mas que são totalmente impermeáveis a enxurradas de água,…cof,cof,…. Pequeno almoço no senhor da padaria de Canelas, onde relembrámos histórias com mais de 20 anos e descida do troço de rio que tínhamos decidido no dia anterior. Troço supersónico feito voando sobre as enormes ondas que se desenharam no rio nesse dia. Foi um óptimo regresso às lides, reforçado com a mais valia da presença do Sérgio e da sua máquina fotográfica, com a garantia de que o brindaremos, numa próxima descida, com uma bela posta de vaca Goesa. Em baixo, as poucas imagens registadas pela fabulosa máquina do artista. A nós resta-nos o justo apelo à revista National Geografic : “Para quando esse prémio , seus artolas?”