sábado, 28 de maio de 2016

A romaria do Paiva


Conseguimos novamente juntar os 4 da equipa, para uma descida de rio, facto que não acontecia há já bastante tempo. Desta vez fomos acompanhados pelas maleitas próprias da idade. A ciática do Jorge Reis, o Tennis Elbow do Pedro (o gajo só arranja lesões com nome fino), o ombro lixado do Miguel e ... o Justas não tem maleita nenhuma(????). O ancião do grupo...?... nem um entorse, nem um pulso aberto, nem uma dorzinha no artelho?.... Ah, afinal existe algo. Parece que o tipo dorme mal; acorda muitas vezes durante a noite, tal como quem o ouve dormir. Dormimos todos em Torres Novas antes do feriado de 26, para arrancarmos no dia seguinte rumo ao paiva. Falámos em dormir? O Jorge Reis conseguiu dormir depois de se fechar na despensa, semi-insonorizada por duas portas, na tentativa de fuga à propagação das ondas sísmicas do Justas (o tipo que dorme ligeiramente mal)...em vão.
Para relembrarmos  os tempos do início do Paiva, levámos o meu fabuloso Fiesta, cujas semelhanças com o fiat 127 do Jorge eram inegáveis:  Espaço exíguo, velocidade máxima entre os 80 e 90 Km/h e consumo frugal de 14 litros aos 100.  Conseguimos encaixar os 4 caiaques em cima e os 4 "camelos" em baixo. Note-se, sem qualquer tipo de sentido pejorativo; apenas uma metáfora para equiparar,  em termos de peso os 2 animais. O Justas, o antigo proprietário do 127, ainda quis denegrir o moderno fiesta, com as virtudes do seu saudoso veículo. Esqueceu-se de um promenor essencial: os 100 kg extra  que o carro tem de arrastar desde então (em contas redondas e repartidas - mais 25 kg em cada perímetro abdominal).  A coisa percebeu-se quando o Pedro e o Jorge entraram para dentro do veículo do mesmo lado. Uma clara propaganda às suspensões espartanas do fiesta. Eu sei que o carro adornou um bocado para a direita, mas aguentou a pressão. Parece que os tipos da Peugeot já se puseram em campo para utilizarem esse sistema infalível de suspensões no próximo Dakar. 
Lá fomos nós felizes para um rio, que para nós tem um significado especial. Para que a coisa fosse fidedigna, parámos na mealhada para o Jorge poder trincar a sua sandes de leitão e emborcar a imperial matinal, a um preço inflacionado ao nível do seu incremento de massa corporal.  Chegámos a Arouca e logo percebemos que se tratava de um momento especial. A banda local, sabendo da nossa presença, resolveu fazer a surpresa e brindar-nos com um recital sinfónico.  
Recebidos pela banda de Arouca
Agradecemos e lá fomos enfardar a doçaria local (a suspensão do fiesta teria de continuar a ser testada). Rumámos em direcção ao rio Paiva e íamos relembrando no caminho, as aventuras aí passadas, a descoberta do desfiladeiro há mais de 20 anos, o estado selvagem do rio, a sensação de isolamento da natureza e .... "pára aí o carro que a fila está parada!"...?... a fila???.... "Sim pá, a fila de carros e autocarros à espera de entrar no parque de estacionamento para acederem ao passadiço do paiva".  E foi assim que vimos transformado o bucólico defiladeiro do Paiva , num cenário de festival de verão. Excursões de gente, muita gente, gente aos magotes, multidão de gente... gente na fila para o café da esplanada , gente à espera da vez para os sanitários, gente à procura dos filhos, gente de mota, gente de carro, gente da autocaravanas, gente no pique-nic, gente no grelhador. Apressámo-nos a entrar para dentro dos caiaques, mesmo sem esse ritual fundamental pré-rio chamado : Defecação na paz da natureza, vulgo cagadela ao ar livre. Seria impossível passarmos despercebidos nesse ritual intimista e, lá fomos contrariados, com  os intestinos em contenção para dentro do rio.  O Justas optou por se juntar à maralha e ir conhecer o passadiço por terra. Parece que não se consegue desligar da densidade populacional do Cacém. Nós percebemos que essa opção deveria ter água no bico; alguma loira que vislumbrou lá em cima do passadiço e mandou os amigos para o rio, para não atrapalharem. Na realidade, justiça seja feita,  foi do Jorge esta ideia de se fazer um caminho ao longo do rio para as pessoas usufruirem da paisagem. Escusava era de ter sido com tanta força...e maralhal. 
A descida do rio teve os desafios habituais, o tempo habitual, a emoção habitual e uma claque pouco habitual. Cada rápido que passávamos era acompanhado por efusivos aplausos vindos do passadiço, por onde espreitavam centenas de pessoas. Ainda bem que nestas coisas não existe árbitro, senão arriscar-nos-íamos a ouvir impropérios do género: "Ó seu filho da p**** então não viste que foi o calhau que lhe fez o carrinho! vai p'ra casa ó palhaço!".  Quase no final da descida é que encontrámos o Jorge (parece que a loira era muito fugosa) , que ainda participou na nossa pausa snikkers, atestando a beleza do passadiço (a loira seria mesmo extremamente fugosa).  Chegámos à praia de Espiunca com um cenário similar à do Areiinho: Praia da Rocha em pleno Agosto. Só faltou mesmo o vendedor ambulante a gritar "Bolinha de berlim com creme! Bolacha americana!" , ou os tipos da Guiné Conacri a venderem elefantes de madeira e pulseiras de misangas.  Desafio seguinte seria despir a vestimenta molhada sem corrermos o risco escandalizar  alguma daquela centena de transeuntes (a loira fugosa não levaria a mal). 
Terminámos a descida no local obrigatório: à mesa do restaurante a trincar a vitela arouquesa. Fizemos o balanço entre a molhanga, a azeitona, a chicha e a imperial: Gostámos de reunir a equipa maravilha, de voltar ao "nosso" rio Paiva; à beleza do desfiladeiro, às emoções das águas bravas,  mas ficámos com uma sensação de invasão de privacidade pelo ajuntamento trazido no passadiço.  A região deverá agradecer em termos económicos a existência deste roteiro turístico de sucesso, mas para nós, que conhecemos e vivemos o "silêncio" do rio, ficou um certo amargo de boca e a vontade de rumarmos a outras paragens menos populosas.