sexta-feira, 31 de julho de 2015

A Ilha

Discutia-se entre uma ida à costa Alentejana para gozarmos umas ondas, uma incursão de caiaque pelo Douro Internacional, quando alguém lançou a inesperada sugestão: E que tal explorarmos uma ilha deserta? A ideia foi acolhida de imediato, talvez porque no imaginário dos pais outrora adolescentes, ainda navegam os olhos verdes da Brooke Shields a dar umas cambalhotas na paradisíaca ilha da Lagoa Azul. Mas tem de ser uma ilha pertinho de casa, porque as viagens para o pacífico estão um bocadito caras. Uma ilha no Zêzere seria a solução e o Pedro tratou logo de aconselhar uma, geograficamente acessível, mas que não tinha grande ideia de como seria. Melhor, .... assim seria mesmo uma verdadeira descoberta; uma aventura inesquecível…
O plano seria pegar nos filhotes, remar até à enigmática ilha e lá permanecer 3 dias. O Jorge Justas baldou-se logo à aventura, pelo trauma de juventude que o impede de se lembrar como o tipo loiro amaricado fez a folha à imaculada Brooke , deixando-a grávida. Aliás, essa lembrança traumática poderá estar na génese de alguns traços de agressividade latente na sua personalidade.

 Para enriquecer a aventura, o Pedro lançou-se na empreitada de construir uma jangada.  Depois de uma manhã inteira de volta da coisa, saiu uma verdadeira obra de engenharia náutica, fazendo  jus aos seus pergaminhos de “Macgwiver” com escola feita entre legos, mecanos, playmobil (isso se calhar não havia na altura) e peças do automóvel do pai. Restava saber se a coisa deslizava na água ou se a água empurrava a coisa para o fundo. O engenheiro não deixou os créditos por mãos alheias e, carregando de tralha o veículo flutuante até acima, tratou de calar os mais cépticos e a coisa deslocou-se sobre a água. Arrancámos assim rumo à ilha desconhecida para a desejada aventura. Depois de algum tempo de remada…ali está a ilha!...?... Eu sei que o nosso ficcionado imaginário esperava uma coisa mais esplendorosa, com palmeiras, areia fina, uma vasta área plana para montarmos o acampamento, a Brooke deambulando com suavidade à beira da água e acenando sexy na nossa direcção. O que sobressai aos nossos olhos? Um cagalhoto em forma de pirâmide, com umas penugens de pinheiro no seu cocuruto. E se o cacalhoto era íngreme e pedregoso.  Demos a volta à ilha na esperança de encontrar um acesso que possibilitasse entrar na ilha sem recurso de material de escalada e lá encontrámos o lado norte. Tinha um acesso facilitado, uma vez que, além de ser menos íngreme tinha permanentes ventos ciclónicos  a empurrar a nossa rectaguarda rumo ao centro nevrálgico da ilha: o cocuruto com penugens.  O Pedro e o Jorge apressaram-se em montar as tendas, talvez com pressa de realizarem as múltiplas actividades que tinham pela frente. O Miguel foi o mais lento, percebendo mais tarde a pressa dos seus dois amigos. Eles tinham ocupado os 2 únicos micro-espaços horizontais para a montagem das tendas; comeram a única chicha aceitável e deixaram os ossos para o menos célere; lei da selecção natural.  Restava um local com uma inclinação suficiente para a sua noite de sono se transformar num memorial da face leste do Mont Blanc. Depois das tendas montadas, todos se apressaram em ocupar o tempo de forma lúdica. Os miúdos na banhoca tentando não sucumbir à calvície precoce resultante da intensidade do vento e os graúdos no windsurf, tentando  não sucumbir à fadiga precoce resultante da intensidade do vento. Ao fim de uma hora de vendaval a calvíce não apareceu aos cachopos, mas a fadiga dos velhos era notória.  As duas actividades mais realizadas na ilha eram essas, mais o paddle e o desafio de andar descalço sobre as pedras cortantes sem conseguir um lanho de 5cm na planta do pé.  Ao fim de 2 horas na ilha já os petizes perguntavam: E agora pai? Alguém tem cartas, cana de pesca, Ipod, Karaoke, fósforos para uma fogueirinha, ondas para o surf?... Não!?  Depressa percebemos, pela expressão dos miúdos, que a Ilha “Lagoa Azul”, se iria transformar a curto prazo na Ilha “Pântano Negro”.  O peso da insularidade pairava sobre a disposição geral, com excepção feita ao Jorge e o seu filho Gonçalo, com larga experiência em campismo de meditação, herdado dos seus antepassados Monges Shaulim,  e conseguiam manter um inabalável  contentamento por estarem ali isolados do mundo com pouco para fazer. Os prisioneiros de Alcatraz  recolheram à noite às suas celas para o doce repouso de tanta actividade diurna. Os miúdos dormiram, porque todos os miúdos dormem, o Jorge dormiu porque quem medita, dorme bem; os outros dois progenitores passaram a noite em claro com pensamentos de autoflagelação por se terem enclausurado voluntariamente naquela prisão em forma de cagalhoto.  A agravar a tudo isto, o som dos grupos musicais das festas de Vila do Rei, que ecoavam doces baladas “Quero mamar nos peitos da cabritinha” ao longo de quilómetros de água, até à ilha e penetravam nos tímpanos de quem não precisava de mais motivos para não pregar olho. Na cela nº 3, pela inclinação já referida, a gravidade conseguiu espetar os três ocupantes contra  a porta de saída. O mais novo acabou mesmo fora da tenda. O mais velho tomou a decisão mais acertada: planear a fuga da ilha. Informou os restantes companheiros: “Malta, estou aqui há dia e meio, não dormi um cagalhoto, tirei um curso intensivo de contorcionismo proporcionado pela gravidade da minha tenda, já repeti 8 vezes todas as actividades possíveis de realizar aqui, consegui não cortar os pés nestes calhaus  e estou cansado de procurar a Brooke Shields em vão. Como tal vou-me embora!” . Reacções distintas ao comunicado da fuga. O Pedro abanou positivamente a cabeça, embora lhe tivesse apetecido dar saltos de alegria por tão ajuizada decisão. Não o fez por respeito ao deprimido Jorge, mas sobretudo por estar ainda um pouco letárgico pelos poucos minutos de sono.  O Monge Jorge, tivemos de um reanimar, uma vez que sucumbiu a tão triste notícia. Ele que tinha planeado 10 dias ali, a contar as pedrinhas da ilha, a analisar as ramadas dos pinheiros, a medir a intensidade do vento, e agora isto? Ainda tentou demover o aspirante a fugitivo, com um “Epá a Brooke não está cá, mas se quiseres pinto os olhos de verde, o fato de banho efeminizado já eu tenho!”, mas embateu num muro inamovível de convicção anti-cagalhoto. Os miúdos, dividiram-se em 2 géneros distintos: os bem educadinhos que seguiram a posição dos pais (2-1 – quem te manda fazer menos filhos ó Jorge!) e a Stª Inês, com a sua compaixão pelos mais fracos, teve pena do desfalecimento do Jorge e passou para o seu lado. Por um voto conseguimos carregar a jangada rumo ao paraíso: Caminha fofa, animação, comida quente. Comemos uma febras em Vila do Rei, ouvimos um exímio cantor a 10 metros de nós sem nos romper os tímpanos,  dormimos numa bela cama numa das mansões do Sr Eduardo (agradecimento sincero) e sobretudo, ficámos com a certeza que nas próximas aventuras deixaremos a tenda em casa e apontaremos para um pedaço de terra que não seja rodeado por água por todos os lados. Até porque a Brooke  já não é o que era… 

2 comentários:

Grupo Equipa de Voleibol Masculino disse...

demais ... parecia que estava a ver o filme... acho que até senti o cheiro da "cagalhota com penugem" ... chorei a rir

Pedro Marques disse...

esta historia podia devia ir para o jornal...claro, com uma introdução para que o tipo normal entenda o enquadramento...