Discutia-se entre uma ida à costa
Alentejana para gozarmos umas ondas, uma incursão de caiaque pelo Douro
Internacional, quando alguém lançou a inesperada sugestão: E que tal explorarmos
uma ilha deserta? A ideia foi acolhida de imediato, talvez porque no imaginário
dos pais outrora adolescentes, ainda navegam os olhos verdes da Brooke Shields
a dar umas cambalhotas na paradisíaca ilha da Lagoa Azul. Mas tem de ser uma
ilha pertinho de casa, porque as viagens para o pacífico estão um bocadito
caras. Uma ilha no Zêzere seria a solução e o Pedro tratou logo de aconselhar
uma, geograficamente acessível, mas que não tinha grande ideia de como seria.
Melhor, .... assim seria mesmo uma verdadeira descoberta; uma aventura
inesquecível…
O plano seria pegar nos filhotes,
remar até à enigmática ilha e lá permanecer 3 dias. O Jorge Justas baldou-se
logo à aventura, pelo trauma de juventude que o impede de se lembrar como o
tipo loiro amaricado fez a folha à imaculada Brooke , deixando-a grávida.
Aliás, essa lembrança traumática poderá estar na génese de alguns traços de
agressividade latente na sua personalidade.
Para enriquecer a aventura, o Pedro lançou-se
na empreitada de construir uma jangada. Depois
de uma manhã inteira de volta da coisa, saiu uma verdadeira obra de engenharia
náutica, fazendo jus aos seus
pergaminhos de “Macgwiver” com escola feita entre legos, mecanos, playmobil
(isso se calhar não havia na altura) e peças do automóvel do pai. Restava saber
se a coisa deslizava na água ou se a água empurrava a coisa para o fundo. O
engenheiro não deixou os créditos por mãos alheias e, carregando de tralha o
veículo flutuante até acima, tratou de calar os mais cépticos e a coisa
deslocou-se sobre a água. Arrancámos assim rumo à ilha desconhecida para a desejada
aventura. Depois de algum tempo de remada…ali está a ilha!...?... Eu sei que o
nosso ficcionado imaginário esperava uma coisa mais esplendorosa, com
palmeiras, areia fina, uma vasta área plana para montarmos o acampamento, a
Brooke deambulando com suavidade à beira da água e acenando sexy na nossa
direcção. O que sobressai aos nossos olhos? Um cagalhoto em forma de pirâmide,
com umas penugens de pinheiro no seu cocuruto. E se o cacalhoto era íngreme e
pedregoso. Demos a volta à ilha na
esperança de encontrar um acesso que possibilitasse entrar na ilha sem recurso
de material de escalada e lá encontrámos o lado norte. Tinha um acesso
facilitado, uma vez que, além de ser menos íngreme tinha permanentes ventos
ciclónicos a empurrar a nossa
rectaguarda rumo ao centro nevrálgico da ilha: o cocuruto com penugens. O Pedro e o Jorge apressaram-se em montar as
tendas, talvez com pressa de realizarem as múltiplas actividades que tinham pela
frente. O Miguel foi o mais lento, percebendo mais tarde a pressa dos seus dois
amigos. Eles tinham ocupado os 2 únicos micro-espaços horizontais para a
montagem das tendas; comeram a única chicha aceitável e deixaram os ossos para o
menos célere; lei da selecção natural. Restava
um local com uma inclinação suficiente para a sua noite de sono se transformar num
memorial da face leste do Mont Blanc. Depois das tendas montadas, todos se
apressaram em ocupar o tempo de forma lúdica. Os miúdos na banhoca tentando não
sucumbir à calvície precoce resultante da intensidade do vento e os graúdos no
windsurf, tentando não sucumbir à fadiga
precoce resultante da intensidade do vento. Ao fim de uma hora de vendaval a
calvíce não apareceu aos cachopos, mas a fadiga dos velhos era notória. As duas actividades mais realizadas na ilha eram
essas, mais o paddle e o desafio de andar descalço sobre as pedras cortantes
sem conseguir um lanho de 5cm na planta do pé. Ao fim de 2 horas na ilha já os petizes
perguntavam: E agora pai? Alguém tem cartas, cana de pesca, Ipod, Karaoke,
fósforos para uma fogueirinha, ondas para o surf?... Não!? Depressa percebemos, pela expressão dos
miúdos, que a Ilha “Lagoa Azul”, se iria transformar a curto prazo na Ilha “Pântano
Negro”. O peso da insularidade pairava
sobre a disposição geral, com excepção feita ao Jorge e o seu filho Gonçalo, com
larga experiência em campismo de meditação, herdado dos seus antepassados
Monges Shaulim, e conseguiam manter um
inabalável contentamento por estarem ali
isolados do mundo com pouco para fazer. Os prisioneiros de Alcatraz recolheram à noite às suas celas para o doce
repouso de tanta actividade diurna. Os miúdos dormiram, porque todos os miúdos
dormem, o Jorge dormiu porque quem medita, dorme bem; os outros dois
progenitores passaram a noite em claro com pensamentos de autoflagelação por se
terem enclausurado voluntariamente naquela prisão em forma de cagalhoto. A agravar a tudo isto, o som dos grupos
musicais das festas de Vila do Rei, que ecoavam doces baladas “Quero mamar nos
peitos da cabritinha” ao longo de quilómetros de água, até à ilha e penetravam
nos tímpanos de quem não precisava de mais motivos para não pregar olho. Na
cela nº 3, pela inclinação já referida, a gravidade conseguiu espetar os três
ocupantes contra a porta de saída. O
mais novo acabou mesmo fora da tenda. O mais velho tomou a decisão mais
acertada: planear a fuga da ilha. Informou os restantes companheiros: “Malta,
estou aqui há dia e meio, não dormi um cagalhoto, tirei um curso intensivo de
contorcionismo proporcionado pela gravidade da minha tenda, já repeti 8 vezes
todas as actividades possíveis de realizar aqui, consegui não cortar os pés nestes
calhaus e estou cansado de procurar a
Brooke Shields em vão. Como tal vou-me embora!” . Reacções distintas ao
comunicado da fuga. O Pedro abanou positivamente a cabeça, embora lhe tivesse
apetecido dar saltos de alegria por tão ajuizada decisão. Não o fez por
respeito ao deprimido Jorge, mas sobretudo por estar ainda um pouco letárgico
pelos poucos minutos de sono. O Monge
Jorge, tivemos de um reanimar, uma vez que sucumbiu a tão triste notícia. Ele
que tinha planeado 10 dias ali, a contar as pedrinhas da ilha, a analisar as
ramadas dos pinheiros, a medir a intensidade do vento, e agora isto? Ainda
tentou demover o aspirante a fugitivo, com um “Epá a Brooke não está cá, mas se
quiseres pinto os olhos de verde, o fato de banho efeminizado já eu tenho!”,
mas embateu num muro inamovível de convicção anti-cagalhoto. Os miúdos,
dividiram-se em 2 géneros distintos: os bem educadinhos que seguiram a posição dos
pais (2-1 – quem te manda fazer menos filhos ó Jorge!) e a Stª Inês, com a sua compaixão
pelos mais fracos, teve pena do desfalecimento do Jorge e passou para o seu
lado. Por um voto conseguimos carregar a jangada rumo ao paraíso: Caminha fofa,
animação, comida quente. Comemos uma febras em Vila do Rei, ouvimos um exímio
cantor a 10 metros de nós sem nos romper os tímpanos, dormimos numa bela cama numa das mansões do
Sr Eduardo (agradecimento sincero) e sobretudo, ficámos com a certeza que nas
próximas aventuras deixaremos a tenda em casa e apontaremos para um pedaço de
terra que não seja rodeado por água por todos os lados. Até porque a Brooke já não é o que era…
2 comentários:
demais ... parecia que estava a ver o filme... acho que até senti o cheiro da "cagalhota com penugem" ... chorei a rir
esta historia podia devia ir para o jornal...claro, com uma introdução para que o tipo normal entenda o enquadramento...
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